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sábado, 18 de outubro de 2014

O AMOR IMPOSSÍVEL DE ZULEICA



O meu nome é Zuleica. Eu sonho com um amor impossível!... Talvez seja melhor eu dizer que sonhava com esse amor até ontem. Como pode o sonho continuar existindo se aqueles olhos amendoados, que eram sua fonte de inspiração, partiram?!...

A desilusão pode ter várias faces, e eu não sei dizer qual delas cravou o seu olhar tempestuoso naqueles olhos que se tornaram um mar revolto e impenetrável. Talvez eu estivesse começando a quebrar o impiedoso encanto porque, ontem pela manhã, quando fui à padaria, que também é um bar, o Galã me ofertou uma rosa.

Você deve estar curioso, pensando como que eu pude me apaixonar por alguém cujo apelido é Galã. A verdade é que, no bairro onde moramos, ninguém conhece o seu nome, e todos o chamam assim. O Galã vive embaixo do viaduto que, feliz ou infelizmente, fica bem em frente ao prédio onde moro, no primeiro andar.

Eu tinha um namorado, mas nós discutimos e rompemos o compromisso, porque ele começou a desconfiar que eu estivesse apaixonada por outro. E, de fato, eu estou. Se vê-lo sentado naquele lar improvisado era desolador, pior ainda tem sido olhar para aquele trecho debaixo do viaduto e não vê-lo.

Eu sou fotógrafa profissional e escrevo artigos para uma revista. Essa paixão inesperada pelo Galã vai contra tudo o que eu acredito. Sou pobre e sozinha... Há quem diga que sou fria e calculista, porque não faço nada de graça. Mas, se você parar para pensar, na vida, tudo tem um preço. Ou, pelo menos, tudo tinha um preço antes de... Eu me recuso a terminar a frase!... Parece castigo!... Eu sempre sonhei em me casar com um homem rico e bem-sucedido, que pudesse realizar todos os meus sonhos de consumo. E, de repente, como num passe de mágica, alcançar aquela estrela distante e desvendar os seus mistérios se tornou o meu único desejo. Eu amo o Galã. Ele é sujo, cheira mal e eu jamais me encorajaria a tocá-lo. Mas, quando eu mergulho em seus olhos, a emoção é indescritível!... Só de falar nisso, eu suspiro e sinto o meu coração palpitar!...

Eu sei o que você deve estar pensando: “Vá à luta!... Vença o preconceito e encontre um modo de ajudá-lo a sair desse infortúnio!...” Confesso que já pensei nisso... E, com o tempo, talvez eu até conseguisse vencer a resistência. Mas talvez agora seja tarde demais. Ontem ele partiu. E não foi contra a sua vontade, porque o seu rosto estava sereno, e ele acenou para mim como se estivesse se despedindo e não tencionasse voltar.

Eu o estava observando da janela do meu apartamento e vi como tudo aconteceu. Um homem, que andava apressado pela rua, chamou minha atenção porque, com aquele calor, ele estava todo encapotado!... Eu não sei precisar a hora, mas já era tarde, passava da meia-noite... Eu prestei mais atenção ainda naquele sujeito, quando ele se aproximou do Galã. A claridade das luzes da rua não me permitiu ver o que havia no embrulho que o estranho homem entregou a ele antes de se afastar rapidamente.

Eu preciso contar um segredo que é até um pouco vergonhoso: eu costumo filmar o Galã da janela do meu quarto. E lá estava eu, com a filmadora em punho, quando, de repente, consegui registrar um estouro e um clarão. Eu mal havia me refeito do susto quando um ser vestido com roupas luminosas substituiu a intensa claridade. Embora ele tivesse a forma humana, não parecia ser deste mundo.

O Galã devia estar tão bêbado naquele momento que não se assustou com a terrível aparição. E eu continuei ali, filmando tudo. Mas o mais importante não consegui registrar: o que eles conversavam. Alguns minutos se passaram, e eu pensei que o meu coração fosse saltar pela boca no instante em que o gênio olhou na minha direção, levantou a mão e estendeu o dedo mínimo enquanto dizia algo que eu não conseguia ouvir. Resultado: fiquei de mãos vazias, porque a minha câmera, simplesmente, desapareceu.

Mas eu já disse a você que amo o Galã, e eu não poderia abandoná-lo num momento como aquele. E foi nesse instante que o mais incrível aconteceu: o gênio pareceu não se importar mais com a minha indiscrição e posicionou o dedo mínimo no centro da testa do Galã. Isso bastou para que o conto de fada se realizasse: as roupas sujas e esfarrapadas do Galã deram lugar a um terno que causaria inveja a um milionário!... Depois disso, você sabe o que aconteceu: o Galã acenou para mim, e ele e o gênio desapareceram misteriosamente.

E eu ainda estou aqui, de camisola, em frente à janela, contemplando a cadeira velha onde o Galã costumava se sentar. Eu não sei que horas são. O telefone já tocou várias vezes, e eu não tive coragem de me levantar desta cadeira para atendê-lo. Se, daqui a pouco, eu criar coragem e me vestir, de que adiantará eu deixar o apartamento e caminhar até a padaria para comprar leite e pãezinhos, se o Galã não estará lá?!... De que adiantará eu enfrentar mais um dia de trabalho se, quando eu voltar, não poderei mais ter a ilusão de mergulhar o meu olhar naqueles olhos que parecem abrigar um mar revolto?!...

Rui Petrarca dos Anjos
(Personagem de Sisi Marques)

sexta-feira, 17 de outubro de 2014

UM REI EM BUSCA DE SEU SUCESSOR



Augusto caminhava de um lado para o outro, em seu quarto, pensando o que seria de seu reino se um dia ele faltasse. Toda sexta-feira, ele costumava sair do castelo vestido de camponês, para juntar-se aos seus súditos e descobrir o que pensavam sobre ele e como esperavam que ele agisse. Ele já estava pronto para sair furtivamente do castelo, mas, em vez disso, continuava andando em círculos... De repente, ele teve uma ideia e parou de caminhar. Destrancou um enorme baú e retirou dele um pequeno saco de veludo repleto de moedas de ouro.

Naquela sexta-feira, em vez de caminhar pelas ruas como costumava fazer para passar despercebido e poder conversar e beber com os homens simples de seu povo, ele montou em um cavalo desprovido de ornamentos e cavalgou durante horas por lugares onde a miséria imperava. Quando ele viu um mendigo sujo e maltrapilho encostado em uma porta que nunca se abria porque as paredes ao seu redor já haviam desmoronado, ele parou, desceu do cavalo e sentou-se ao lado daquele homem que, em outra circunstância, teria lhe causado extrema repugnância.

O mendigo, sem suspeitar que Augusto fosse um rei, perguntou a ele se também estava desempregado. Augusto permaneceu calado, e ele começou a contar sua história. Disse que cozinhava muito bem, mas fora expulso do castelo simplesmente porque o chefe da cozinha real descobriu que ele costumava esconder sobras de comida para levá-las para sua família. Depois disso, ele não conseguiu mais encontrar emprego, e sua esposa o abandonou levando consigo as cinco crianças que eram a razão de sua existência.

Augusto aproveitou o momento em que o mendigo fez uma pausa para dizer: “Ouça, a partir deste momento, sua vida poderá mudar. A rua está deserta... Eu vestirei suas roupas, e você vestirá as minhas. Você subirá naquele cavalo e reconstruirá sua vida com o auxílio deste saco de moedas que estou depositando em suas mãos. Eu só lhe peço que nunca fale sobre esse nosso encontro a ninguém.”

Desconfiado, o mendigo perguntou: “É simples assim?!... Não me pedirá nada em troca?!... Quem é você?!...” Augusto disse: “O meu nome, eu não posso lhe revelar. Só necessito que me diga o nome do homem que você considera mais honesto neste reino.” O mendigo respondeu: “Josivaldo. Ele sempre vem aqui, pouco antes do anoitecer, para me trazer algo para comer. Eu só não morri graças a ele.”

Depois que o ex-mendigo montou no cavalo e partiu, Augusto continuou ali sentado, sendo alvo das reações que sua presença causava nos transeuntes. Uma criança ameaçou aproximar-se dele, para entregar-lhe um pedaço do doce que estava comendo, mas a mãe ralhou com ela e puxou-a pelo braço. O tempo parecia ter parado... Os minutos pareciam horas... E, em meio a tantos pensamentos, havia uma pergunta que o incomodava: “Por que escolher um desconhecido para ocupar o trono, em vez de me casar e entregar a coroa ao meu filho?!...” Essa pergunta já o atormentara antes, mas o que ele poderia fazer se não conseguia se apaixonar?!...

Augusto estava tão imerso em seus pensamentos que se assustou quando ouviu alguém perguntar: “Você viu para onde foi o mendigo que costuma sentar-se aqui?!... Eu estou com um pouco de pressa porque minha irmã me espera para o jantar. Você poderia entregar este pão e estas frutas a ele?!... Coma uma fruta, se desejar.” O homem surpreendeu-se quando ouviu Augusto perguntar: “O seu nome é Josivaldo?!... Conte-me tudo sobre você.” Augusto sorriu quando o ouviu dizer: “O mendigo nunca me disse o nome dele, mas, agora, percebo que ele prestou atenção quando eu disse o meu. Se você é amigo dele, considere-se meu amigo também. Você parece mais aberto ao diálogo do que ele. Lamento não ter conseguido fazer nada por ele. Mas deixe-me reparar isso, fazendo algo por você. Venha até a minha casa. Você poderá se banhar, colocar roupas limpas e comer uma saborosa refeição.”

Augusto, como era de se esperar, aceitou o convite. Enquanto caminhavam, Josivaldo contou sua história. Ele era alfaiate, e morava sozinho em uma casa simples.  Ele estava ansioso para voltar para casa porque era sexta-feira. Apenas às sextas-feiras, a irmã dele tinha autorização de deixar o palácio para visitá-lo. Nos outros dias da semana, ela costurava para as damas da corte. Sem suspeitar que estivesse falando com o rei, Josivaldo terminou o relato sobre sua irmã dizendo: “Adélia vive fora desta realidade. Embora ela pareça lúcida, é muito sonhadora!... Ela já me disse que não pretende se casar porque o seu coração pertence ao rei. Ela o ama imensamente, e ele nunca olhou para ela!... Duvido mesmo que ele saiba que ela existe. Como pode o amor ser tão desumano?!...”

Quando Augusto e Josivaldo entraram e cumprimentaram Adélia, ela se deteve contemplando o rosto de Augusto e disse delicadamente: “Nós acabamos de nos conhecer, e eu tenho a impressão de que o conheço há muito tempo. Você se parece muito com alguém que... Meu Deus, o que estou dizendo?!... Você deve estar faminto. O meu irmão lhe mostrará onde fica o banheiro para que você possa se livrar dessas roupas e tomar um banho. Enquanto vocês se aprontam para o jantar, eu colherei algumas flores para enfeitar a mesa.”

Acreditem: foi amor à primeira vista. O rei Augusto nunca havia reparado em Adélia porque, certamente, jamais tivera a oportunidade de olhar para ela. Eram tantas as jovens que o cercavam, e ele passava o tempo todo inventando desculpas para esquivar-se!... Mas, naquele momento mágico, Augusto viu, no rosto de Adélia, a face do verdadeiro amor. Durante o jantar, ele revelou sua identidade e explicou o motivo que o levara a agir de modo tão estranho.  Em seguida, ele pediu a mão de Adélia em casamento. E os três brindaram à felicidade do jovem casal.