O meu nome é Zuleica.
Eu sonho com um amor impossível!... Talvez seja melhor eu dizer que sonhava com
esse amor até ontem. Como pode o sonho continuar existindo se aqueles olhos
amendoados, que eram sua fonte de inspiração, partiram?!...
A desilusão pode ter
várias faces, e eu não sei dizer qual delas cravou o seu olhar tempestuoso
naqueles olhos que se tornaram um mar revolto e impenetrável. Talvez eu
estivesse começando a quebrar o impiedoso encanto porque, ontem pela manhã,
quando fui à padaria, que também é um bar, o Galã me ofertou uma rosa.
Você deve estar
curioso, pensando como que eu pude me apaixonar por alguém cujo apelido é Galã.
A verdade é que, no bairro onde moramos, ninguém conhece o seu nome, e todos o
chamam assim. O Galã vive embaixo do viaduto que, feliz ou infelizmente, fica
bem em frente ao prédio onde moro, no primeiro andar.
Eu tinha um namorado,
mas nós discutimos e rompemos o compromisso, porque ele começou a desconfiar
que eu estivesse apaixonada por outro. E, de fato, eu estou. Se vê-lo sentado
naquele lar improvisado era desolador, pior ainda tem sido olhar para aquele
trecho debaixo do viaduto e não vê-lo.
Eu sou fotógrafa profissional
e escrevo artigos para uma revista. Essa paixão inesperada pelo Galã vai contra
tudo o que eu acredito. Sou pobre e sozinha... Há quem diga que sou fria e
calculista, porque não faço nada de graça. Mas, se você parar para pensar, na
vida, tudo tem um preço. Ou, pelo menos, tudo tinha um preço antes de... Eu me
recuso a terminar a frase!... Parece castigo!... Eu sempre sonhei em me casar com
um homem rico e bem-sucedido, que pudesse realizar todos os meus sonhos de consumo.
E, de repente, como num passe de mágica, alcançar aquela estrela distante e
desvendar os seus mistérios se tornou o meu único desejo. Eu amo o Galã. Ele é
sujo, cheira mal e eu jamais me encorajaria a tocá-lo. Mas, quando eu mergulho
em seus olhos, a emoção é indescritível!... Só de falar nisso, eu suspiro e
sinto o meu coração palpitar!...
Eu sei o que você deve
estar pensando: “Vá à luta!... Vença o preconceito e encontre um modo de ajudá-lo
a sair desse infortúnio!...” Confesso que já pensei nisso... E, com o tempo,
talvez eu até conseguisse vencer a resistência. Mas talvez agora seja tarde
demais. Ontem ele partiu. E não foi contra a sua vontade, porque o seu rosto
estava sereno, e ele acenou para mim como se estivesse se despedindo e não
tencionasse voltar.
Eu o estava observando
da janela do meu apartamento e vi como tudo aconteceu. Um homem, que andava
apressado pela rua, chamou minha atenção porque, com aquele calor, ele estava
todo encapotado!... Eu não sei precisar a hora, mas já era tarde, passava da
meia-noite... Eu prestei mais atenção ainda naquele sujeito, quando ele se
aproximou do Galã. A claridade das luzes da rua não me permitiu ver o que havia
no embrulho que o estranho homem entregou a ele antes de se afastar
rapidamente.
Eu preciso contar um
segredo que é até um pouco vergonhoso: eu costumo filmar o Galã da janela do
meu quarto. E lá estava eu, com a filmadora em punho, quando, de repente,
consegui registrar um estouro e um clarão. Eu mal havia me refeito do susto
quando um ser vestido com roupas luminosas substituiu a intensa claridade.
Embora ele tivesse a forma humana, não parecia ser deste mundo.
O Galã devia estar tão
bêbado naquele momento que não se assustou com a terrível aparição. E eu
continuei ali, filmando tudo. Mas o mais importante não consegui registrar: o
que eles conversavam. Alguns minutos se passaram, e eu pensei que o meu coração
fosse saltar pela boca no instante em que o gênio olhou na minha direção,
levantou a mão e estendeu o dedo mínimo enquanto dizia algo que eu não
conseguia ouvir. Resultado: fiquei de mãos vazias, porque a minha câmera,
simplesmente, desapareceu.
Mas eu já disse a você
que amo o Galã, e eu não poderia abandoná-lo num momento como aquele. E foi
nesse instante que o mais incrível aconteceu: o gênio pareceu não se importar
mais com a minha indiscrição e posicionou o dedo mínimo no centro da testa do
Galã. Isso bastou para que o conto de fada se realizasse: as roupas sujas e
esfarrapadas do Galã deram lugar a um terno que causaria inveja a um
milionário!... Depois disso, você sabe o que aconteceu: o Galã acenou para mim,
e ele e o gênio desapareceram misteriosamente.
E eu ainda estou aqui,
de camisola, em frente à janela, contemplando a cadeira velha onde o Galã
costumava se sentar. Eu não sei que horas são. O telefone já tocou várias
vezes, e eu não tive coragem de me levantar desta cadeira para atendê-lo. Se,
daqui a pouco, eu criar coragem e me vestir, de que adiantará eu deixar o
apartamento e caminhar até a padaria para comprar leite e pãezinhos, se o Galã não
estará lá?!... De que adiantará eu enfrentar mais um dia de trabalho se, quando
eu voltar, não poderei mais ter a ilusão de mergulhar o meu olhar naqueles olhos que parecem abrigar um mar
revolto?!...
Rui Petrarca dos Anjos
(Personagem de Sisi Marques)