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quarta-feira, 26 de novembro de 2014

O ELFO AZUL E O LAGO ENCANTADO




O Elfo Azul, guardião do lago que repousava no coração da floresta das árvores reluzentes, não conseguia desprender os olhos das águas turvas do lago. Ele sentia que algo estava errado!... Ele precisava mergulhar naquelas águas traiçoeiras para descobrir o que havia se escondido em suas profundezas. Ele hesitava, porque temia ser aprisionado pelas algas gigantes. Ele levantou e começou a se afastar da margem do lago, mas a intuição, forte demais para ser abandonada, o obrigou a voltar e fazer o que precisava ser feito: mergulhar em direção a um destino incerto.

Imerso naquele líquido viscoso, embora ele conseguisse manter os olhos abertos, ele sabia que não deveria confiar no que eles lhe mostravam: havia uma mulher belíssima tentando se desvencilhar das algas que a prendiam como se fossem poderosas correntes. O Elfo Azul pensou: “A jovem não é real. As algas estão criando essa ilusão apenas para me atrair.”

O olhar da jovem, no entanto, fazia com que ele se esquecesse do perigo e começasse a desejar que ela realmente estivesse ali para que ele pudesse salvá-la. Embora ele nunca a tivesse visto, ele teve a impressão de que sempre desejara conhecê-la. Ele já estava se aproximando da jovem quando lembrou que o lago era encantado. Ele recuou, mas a atração que aquele olhar exercia sobre ele era mais forte do que o seu desejo de permanecer livre.

Fosse a jovem real ou não, ele a amava e precisava libertá-la. Ele sabia que aquele desatino seria o seu fim. Pensou ainda em resistir e abandonar o lago, mas de que adiantaria continuar vivendo livre na floresta, se continuaria acorrentado à lembrança daquele olhar que fez aqueles poucos minutos valerem mais do que os séculos que ele já havia vivido?!...

Revestindo-se de coragem, o Elfo Azul se aproximou da jovem esperando pelo pior, mas surpreendeu-se quando as algas a libertaram. Acreditando ter sido traído, ele murmurou: “Fui tolo em não desconfiar de você!... Apesar disso, prefiro ser seu escravo a passar a eternidade acorrentado pelas algas.”

O coração do Elfo Azul revestiu-se de esperança quando a jovem respondeu: “Eu não o traí... Eu apenas precisava saber se o seu amor seria forte o bastante para convencê-lo a aceitar viver parte de sua vida no fundo deste lago. Eu sou uma sereia, e sereias não passeiam pela floresta. O amor uniu os nossos corações, e nada poderá separá-los.”




sábado, 1 de novembro de 2014

O BONDOSO REI E O FILHO DA RAINHA



Era uma vez um rei justo e bondoso. Embora ele tivesse poderes mágicos, ninguém o temia porque ele usava sua magia apenas em benefício de seu reino. Os seus súditos o amavam e ficaram imensamente felizes quando ele anunciou o seu casamento com uma mulher que parecia nutrir por ele sincera afeição.

Oito meses após a promissora união, uma criança nasceu. Os anos se passavam, o príncipe crescia, e os desentendimentos entre o rei e a rainha se tornavam mais frequentes a cada dia, porque o rei não aprovava o excesso de mimos que a rainha dispensava a ele.

Certo dia, o rei disse à rainha:

– Nossos súditos têm todo o direito de expressar o desagrado e o receio que a conduta de nosso filho lhes causa. Não podemos puni-los por reagirem quando ele os sobrecarrega com suas exigências descabidas.

A rainha respondeu com altivez:

– Esta nossa discussão e todas as outras seriam desnecessárias se você se dispusesse a fazer o que sugeri desde o início: Convença o seu povo a respeitá-lo e a cumprir suas ordens sem questioná-las.

Movendo a cabeça para os lados, o rei exclamou:

– Eu discordo, porque isso está errado!... Podemos convencer os nossos súditos a tolerarem o nosso filho, mas o respeito deles é algo que ele terá que conquistar sozinho!...

A rainha rebateu com frieza:

– Isso é o que você pensa. Mas saiba, meu caro, que eu não penso como você!... Poder é sinônimo de admiração e respeito. Felizmente, de você, ele só herdou a magia.

Mais uma vez a discussão se encerrava aumentando a distância que havia se estabelecido entre o casal. O rei se entristecia porque a insatisfação parecia estampada no rosto de seus súditos. O seu filho, na mais leve contrariedade, erguia os braços e evocava os seus poderes mágicos. O céu escurecia, e os estrondos de raios e trovões eram ouvidos em todo o reino. As pessoas, com a respiração suspensa, tremiam de pavor enquanto a chuva fria e cortante molhava suas vestes.

Houve um dia em que o bondoso rei disse à rainha:

– A submissão do meu povo aos desmandos do nosso filho ultrapassou o limite do tolerável!... Hoje mesmo ele será levado para o...

Sem permitir que o rei completasse a frase, a rainha afirmou:

– Será você quem ficará recluso naquele labirinto no interior da floresta, e não o meu filho. O meu filho, sim, o meu filho, porque ele é só meu!... Eu já estava grávida quando nos casamos. A magia que ele herdou do mago cujo nome não pode ser revelado é muito mais poderosa do que a sua. Você se curvará diante da minha vontade e diante do poder do meu filho.

Naquele mesmo dia, o príncipe se coroou rei e ordenou que o antigo rei fosse aprisionado no labirinto. O descontentamento, a pobreza e a miséria substituíram a paz e a prosperidade que o antigo rei construíra. As pessoas começaram a fugir para os reinos vizinhos, e a fama do príncipe cruel, que havia se coroado rei, espalhou-se rapidamente.

 Meses depois, sem que a rainha pudesse adivinhar o motivo, os poderes de seu filho se extinguiram, e o povo começou a desobedecê-lo. Dentro do castelo, a situação não era diferente. Os sábios ordenaram ao chefe da guarda real que providenciasse a partida da rainha e de seu filho para um reino distante. Quando a rainha e o falso rei partiram, o chefe da guarda recebeu uma nova ordem que o alegrou profundamente: ele deveria chefiar uma escolta cuja missão seria libertar o verdadeiro rei e conduzi-lo de volta ao seu trono.


sábado, 18 de outubro de 2014

O AMOR IMPOSSÍVEL DE ZULEICA



O meu nome é Zuleica. Eu sonho com um amor impossível!... Talvez seja melhor eu dizer que sonhava com esse amor até ontem. Como pode o sonho continuar existindo se aqueles olhos amendoados, que eram sua fonte de inspiração, partiram?!...

A desilusão pode ter várias faces, e eu não sei dizer qual delas cravou o seu olhar tempestuoso naqueles olhos que se tornaram um mar revolto e impenetrável. Talvez eu estivesse começando a quebrar o impiedoso encanto porque, ontem pela manhã, quando fui à padaria, que também é um bar, o Galã me ofertou uma rosa.

Você deve estar curioso, pensando como que eu pude me apaixonar por alguém cujo apelido é Galã. A verdade é que, no bairro onde moramos, ninguém conhece o seu nome, e todos o chamam assim. O Galã vive embaixo do viaduto que, feliz ou infelizmente, fica bem em frente ao prédio onde moro, no primeiro andar.

Eu tinha um namorado, mas nós discutimos e rompemos o compromisso, porque ele começou a desconfiar que eu estivesse apaixonada por outro. E, de fato, eu estou. Se vê-lo sentado naquele lar improvisado era desolador, pior ainda tem sido olhar para aquele trecho debaixo do viaduto e não vê-lo.

Eu sou fotógrafa profissional e escrevo artigos para uma revista. Essa paixão inesperada pelo Galã vai contra tudo o que eu acredito. Sou pobre e sozinha... Há quem diga que sou fria e calculista, porque não faço nada de graça. Mas, se você parar para pensar, na vida, tudo tem um preço. Ou, pelo menos, tudo tinha um preço antes de... Eu me recuso a terminar a frase!... Parece castigo!... Eu sempre sonhei em me casar com um homem rico e bem-sucedido, que pudesse realizar todos os meus sonhos de consumo. E, de repente, como num passe de mágica, alcançar aquela estrela distante e desvendar os seus mistérios se tornou o meu único desejo. Eu amo o Galã. Ele é sujo, cheira mal e eu jamais me encorajaria a tocá-lo. Mas, quando eu mergulho em seus olhos, a emoção é indescritível!... Só de falar nisso, eu suspiro e sinto o meu coração palpitar!...

Eu sei o que você deve estar pensando: “Vá à luta!... Vença o preconceito e encontre um modo de ajudá-lo a sair desse infortúnio!...” Confesso que já pensei nisso... E, com o tempo, talvez eu até conseguisse vencer a resistência. Mas talvez agora seja tarde demais. Ontem ele partiu. E não foi contra a sua vontade, porque o seu rosto estava sereno, e ele acenou para mim como se estivesse se despedindo e não tencionasse voltar.

Eu o estava observando da janela do meu apartamento e vi como tudo aconteceu. Um homem, que andava apressado pela rua, chamou minha atenção porque, com aquele calor, ele estava todo encapotado!... Eu não sei precisar a hora, mas já era tarde, passava da meia-noite... Eu prestei mais atenção ainda naquele sujeito, quando ele se aproximou do Galã. A claridade das luzes da rua não me permitiu ver o que havia no embrulho que o estranho homem entregou a ele antes de se afastar rapidamente.

Eu preciso contar um segredo que é até um pouco vergonhoso: eu costumo filmar o Galã da janela do meu quarto. E lá estava eu, com a filmadora em punho, quando, de repente, consegui registrar um estouro e um clarão. Eu mal havia me refeito do susto quando um ser vestido com roupas luminosas substituiu a intensa claridade. Embora ele tivesse a forma humana, não parecia ser deste mundo.

O Galã devia estar tão bêbado naquele momento que não se assustou com a terrível aparição. E eu continuei ali, filmando tudo. Mas o mais importante não consegui registrar: o que eles conversavam. Alguns minutos se passaram, e eu pensei que o meu coração fosse saltar pela boca no instante em que o gênio olhou na minha direção, levantou a mão e estendeu o dedo mínimo enquanto dizia algo que eu não conseguia ouvir. Resultado: fiquei de mãos vazias, porque a minha câmera, simplesmente, desapareceu.

Mas eu já disse a você que amo o Galã, e eu não poderia abandoná-lo num momento como aquele. E foi nesse instante que o mais incrível aconteceu: o gênio pareceu não se importar mais com a minha indiscrição e posicionou o dedo mínimo no centro da testa do Galã. Isso bastou para que o conto de fada se realizasse: as roupas sujas e esfarrapadas do Galã deram lugar a um terno que causaria inveja a um milionário!... Depois disso, você sabe o que aconteceu: o Galã acenou para mim, e ele e o gênio desapareceram misteriosamente.

E eu ainda estou aqui, de camisola, em frente à janela, contemplando a cadeira velha onde o Galã costumava se sentar. Eu não sei que horas são. O telefone já tocou várias vezes, e eu não tive coragem de me levantar desta cadeira para atendê-lo. Se, daqui a pouco, eu criar coragem e me vestir, de que adiantará eu deixar o apartamento e caminhar até a padaria para comprar leite e pãezinhos, se o Galã não estará lá?!... De que adiantará eu enfrentar mais um dia de trabalho se, quando eu voltar, não poderei mais ter a ilusão de mergulhar o meu olhar naqueles olhos que parecem abrigar um mar revolto?!...

Rui Petrarca dos Anjos
(Personagem de Sisi Marques)

sexta-feira, 17 de outubro de 2014

UM REI EM BUSCA DE SEU SUCESSOR



Augusto caminhava de um lado para o outro, em seu quarto, pensando o que seria de seu reino se um dia ele faltasse. Toda sexta-feira, ele costumava sair do castelo vestido de camponês, para juntar-se aos seus súditos e descobrir o que pensavam sobre ele e como esperavam que ele agisse. Ele já estava pronto para sair furtivamente do castelo, mas, em vez disso, continuava andando em círculos... De repente, ele teve uma ideia e parou de caminhar. Destrancou um enorme baú e retirou dele um pequeno saco de veludo repleto de moedas de ouro.

Naquela sexta-feira, em vez de caminhar pelas ruas como costumava fazer para passar despercebido e poder conversar e beber com os homens simples de seu povo, ele montou em um cavalo desprovido de ornamentos e cavalgou durante horas por lugares onde a miséria imperava. Quando ele viu um mendigo sujo e maltrapilho encostado em uma porta que nunca se abria porque as paredes ao seu redor já haviam desmoronado, ele parou, desceu do cavalo e sentou-se ao lado daquele homem que, em outra circunstância, teria lhe causado extrema repugnância.

O mendigo, sem suspeitar que Augusto fosse um rei, perguntou a ele se também estava desempregado. Augusto permaneceu calado, e ele começou a contar sua história. Disse que cozinhava muito bem, mas fora expulso do castelo simplesmente porque o chefe da cozinha real descobriu que ele costumava esconder sobras de comida para levá-las para sua família. Depois disso, ele não conseguiu mais encontrar emprego, e sua esposa o abandonou levando consigo as cinco crianças que eram a razão de sua existência.

Augusto aproveitou o momento em que o mendigo fez uma pausa para dizer: “Ouça, a partir deste momento, sua vida poderá mudar. A rua está deserta... Eu vestirei suas roupas, e você vestirá as minhas. Você subirá naquele cavalo e reconstruirá sua vida com o auxílio deste saco de moedas que estou depositando em suas mãos. Eu só lhe peço que nunca fale sobre esse nosso encontro a ninguém.”

Desconfiado, o mendigo perguntou: “É simples assim?!... Não me pedirá nada em troca?!... Quem é você?!...” Augusto disse: “O meu nome, eu não posso lhe revelar. Só necessito que me diga o nome do homem que você considera mais honesto neste reino.” O mendigo respondeu: “Josivaldo. Ele sempre vem aqui, pouco antes do anoitecer, para me trazer algo para comer. Eu só não morri graças a ele.”

Depois que o ex-mendigo montou no cavalo e partiu, Augusto continuou ali sentado, sendo alvo das reações que sua presença causava nos transeuntes. Uma criança ameaçou aproximar-se dele, para entregar-lhe um pedaço do doce que estava comendo, mas a mãe ralhou com ela e puxou-a pelo braço. O tempo parecia ter parado... Os minutos pareciam horas... E, em meio a tantos pensamentos, havia uma pergunta que o incomodava: “Por que escolher um desconhecido para ocupar o trono, em vez de me casar e entregar a coroa ao meu filho?!...” Essa pergunta já o atormentara antes, mas o que ele poderia fazer se não conseguia se apaixonar?!...

Augusto estava tão imerso em seus pensamentos que se assustou quando ouviu alguém perguntar: “Você viu para onde foi o mendigo que costuma sentar-se aqui?!... Eu estou com um pouco de pressa porque minha irmã me espera para o jantar. Você poderia entregar este pão e estas frutas a ele?!... Coma uma fruta, se desejar.” O homem surpreendeu-se quando ouviu Augusto perguntar: “O seu nome é Josivaldo?!... Conte-me tudo sobre você.” Augusto sorriu quando o ouviu dizer: “O mendigo nunca me disse o nome dele, mas, agora, percebo que ele prestou atenção quando eu disse o meu. Se você é amigo dele, considere-se meu amigo também. Você parece mais aberto ao diálogo do que ele. Lamento não ter conseguido fazer nada por ele. Mas deixe-me reparar isso, fazendo algo por você. Venha até a minha casa. Você poderá se banhar, colocar roupas limpas e comer uma saborosa refeição.”

Augusto, como era de se esperar, aceitou o convite. Enquanto caminhavam, Josivaldo contou sua história. Ele era alfaiate, e morava sozinho em uma casa simples.  Ele estava ansioso para voltar para casa porque era sexta-feira. Apenas às sextas-feiras, a irmã dele tinha autorização de deixar o palácio para visitá-lo. Nos outros dias da semana, ela costurava para as damas da corte. Sem suspeitar que estivesse falando com o rei, Josivaldo terminou o relato sobre sua irmã dizendo: “Adélia vive fora desta realidade. Embora ela pareça lúcida, é muito sonhadora!... Ela já me disse que não pretende se casar porque o seu coração pertence ao rei. Ela o ama imensamente, e ele nunca olhou para ela!... Duvido mesmo que ele saiba que ela existe. Como pode o amor ser tão desumano?!...”

Quando Augusto e Josivaldo entraram e cumprimentaram Adélia, ela se deteve contemplando o rosto de Augusto e disse delicadamente: “Nós acabamos de nos conhecer, e eu tenho a impressão de que o conheço há muito tempo. Você se parece muito com alguém que... Meu Deus, o que estou dizendo?!... Você deve estar faminto. O meu irmão lhe mostrará onde fica o banheiro para que você possa se livrar dessas roupas e tomar um banho. Enquanto vocês se aprontam para o jantar, eu colherei algumas flores para enfeitar a mesa.”

Acreditem: foi amor à primeira vista. O rei Augusto nunca havia reparado em Adélia porque, certamente, jamais tivera a oportunidade de olhar para ela. Eram tantas as jovens que o cercavam, e ele passava o tempo todo inventando desculpas para esquivar-se!... Mas, naquele momento mágico, Augusto viu, no rosto de Adélia, a face do verdadeiro amor. Durante o jantar, ele revelou sua identidade e explicou o motivo que o levara a agir de modo tão estranho.  Em seguida, ele pediu a mão de Adélia em casamento. E os três brindaram à felicidade do jovem casal.